Governo estuda reduzir imposto de carro “popular”

A pouco mais de um ano das eleições de 2026 e em queda de popularidade, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda reciclar mais uma ideia do passado: o incentivo a venda de carros “populares” por meio da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o segmento. Uma minuta de portaria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) criando o programa, chamado até agora de “Carro Sustentável” já estaria pronta, dependendo apenas do aval do Ministério da Fazenda.
Segundo apuraram veículos como a Agência AutoData e o jornal Valor Econômico, a iniciativa deve contemplar, com IPI menor, modelos mais baratos desde que atendam a determinados requisitos e sejam produzidos no Brasil.
Entre os critérios para participação no “Carro Sustentável” estariam potência, eficiência energética, combustível e reciclabilidade. A novidade pode ser anunciada nos próximos dias junto com a regulamentação do IPI Verde, que recompensará com imposto reduzido veículos mais limpos, penalizando os mais poluidores.
Teriam direito a tributação inferior ou até zerada subcompactos com até uma tonelada de massa, compactos com até 1,1 tonelada, SUVs com ângulo de ataque mínimo de 23 graus e de saída de 20 graus e altura livre do solo de 200 mm no entre-eixo e 180 mm sob os eixos dianteiro e traseiro, e até 1,1 tonelada de massa. Entrariam ainda picapes com até 1,5 tonelada.
A emissão máxima deve ser de 83 g de CO₂e/km, considerando o ciclo do poço à roda, mas haveria um cálculo diferente de alíquota para veículos a etanol, gasolina, diesel, flex e híbridos.
A produção local precisaria incluir estampagem de painéis externos, soldagem da carroceria, tratamento anticorrosivo e pintura, fabricação do motor e montagem final. Isso excluiria veículos importados desmontados (CKD) ou semidesmontados (SKD), deixando de fora todos os veículos 100% elétricos comercializados no país, que são importados.
A ideia seria incentivar principalmente a venda de modelos 1.0 flex com potência abaixo de 90 cavalos, o que deixaria isentos carros como Fiat Mobi e Renault Kwid, hoje os mais baratos à venda no país.
Conforme informações vazadas à imprensa, o incentivo iria até dezembro de 2026 e valeria para pessoa física e jurídica, incluindo frotistas e locadoras de automóveis. A partir de 2027, o atual modelo de tributação começa a ser substituído gradualmente pelo Imposto Seletivo (IS), previsto na reforma tributária e que incide sobre produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Governo Lula ajudar montadoras de automóveis pela segunda vez no atual mandatoO novo programa recicla uma política já adotada em governos anteriores. No atual mandato de Lula, em 2023, iniciativa semelhante foi adotada com desoneração de IPI, PIS e Cofins sobre carros de até R$ 120 mil, o que abrangeu 33 modelos de 11 marcas, incluindo ônibus e caminhões.
O desconto variou entre 1,5% e 10,96%. Entre os critérios para ter acesso ao desconto tributário, foram levados em consideração a categoria do veículo, eficiência energética e conteúdo local.
A desoneração ao setor automotivo vai contra o que vem defendendo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, tem tentado nos últimos meses, com resistência do Congresso Nacional, elevar a arrecadação da União e que, na busca por novas fontes de receita, critica a política de incentivos fiscais a determinados setores.
Governo incentiva venda de automóveis há mais de 70 anosIncentivos à indústria automotiva são prática de governos brasileiros desde a década de 1950, quando o então presidente Juscelino Kubitschek concedeu tratamento cambial diferenciado para a importação de máquinas e equipamentos para a Ford se instalar no país.
Desde a redemocratização, medidas nesse sentido foram adotas ainda pelos ex-presidentes Fernando Collor, que isentou impostos para montadoras para conter a inflação, e Itamar Franco, que zerou o IPI de modelos básicos e, em 1993, fez a Volkswagen retomar a produção do Fusca, que estava suspensa desde 1986.
Anos mais tarde, reduções temporárias do IPI para carros foram adotadas pelo governo Lula como políticas "anticíclicas" para sustentar a economia do país após o choque da crise financeira global do fim da década de 2000.
Em dezembro de 2008, o então ministro da Fazenad, Guido Mantega, anunciou cortes no imposto que inicialmente durariam até março de 2009, mas foram sucessivamente prorrogados e só terminaram em março de 2010. O ministro repetiu a receita no governo de Dilma Rousseff (PT), com novas reduções de IPI entre 2012 e 2014.
Essas desonerações ajudaram o setor a manter empregos e elevar a produção, que alcançou níveis recordes. Porém, as medidas foram ao mesmo tempo um caso típico de "escolha de vencedores". Em vez de promover uma redução geral e linear de impostos, o governo optou por estimular uma indústria específica, dona de um dos mais poderosos lobbies do país. "Viciado" em benefícios, nos anos seguintes o setor demonstrou grande dificuldade de crescer sem algum tipo de estímulo oficial.
Outra política pública para as montadoras foi o Inovar-Auto, lançado por Dilma em 2012. O programa concedia redução de IPI para empresas que se comprometessem com investimentos em pesquisa e desenvolvimento e com metas de eficiência energética.
Havia ainda requisitos mínimos de conteúdo local, o que levou a Organização Mundial do Comércio (OMC) a condenar o Brasil por prática ilegal de comércio exterior. As montadoras, porém, voltaram a pressionar o governo por uma nova "política industrial" e em 2018 Michel Temer (MDB) reeditou a iniciativa com ajustes, sob o nome de Rota 2030.
No governo de Jair Bolsonaro (PL) não foram editados novos benefícios específicos para o setor automotivo. Houve uma redução de 35% no IPI em 2022, porém de forma linear, válida bens industrializados em geral – e não apenas veículos.
O MDIC foi procurado pela Gazeta do Povo na sexta-feira (27), mas não deu resposta sobre o assunto até a publicação desta reportagem.
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